ÉTICA & PRÁTICA DO GESTOR:
educador de educadores
RUBENS
PORTUGAL
Ela não se lembra com exatidão quando foi que pensou pela primeira vez em ser Diretora. Os colegas começaram a falar: “em você eu voto". Em casa também disseram: “poxa, dá para melhorar o salário, né...afinal você merce, tão esforçada”.
O Poder poderia ser representado
por duas irmãs de mãos dadas: uma sempre olhando para cima com um sorriso de
quem está encantada com alguma coisa e a outra olhando para baixo com o cenho
cerrado. A primeira é chamada de Miranda
do Poder. A outra, de Credanda do Poder.
Estas duas irmãs existem dentro de todos nós. Dentro da nossa alma. Nas
pessoas mais ambiciosas, a Miranda é mais dominante. A Credanda tem sua vez dentro dos indivíduos
mais comedidos e cautelosos. Além disso, esse jogo de forças varia conforme a
idade.
A Miranda é a deusa que instiga
as pessoas a querer subir, galgar cargos, postos, nas alturas do poder. A
Credanda é introspectiva e prudente, interessa-se pelo que pode ser feito por
alguém que já tenha o Poder.
Don Juan, o índio feiticeiro, da “Erva do Diabo” de Carlos Castañeda,
disse em certo momento que o homem atravessa três fases na vida. Na primeira,
não tem poder e nem saber. Na segunda, a mais perigosa, já tem poder e ainda
não tem saber. Na terceira, em que pode se salvar, reúne poder e saber.
O primeiro problema que se passa com um novo Gestor na Educação é quando já tem o poder e ainda não tem o saber.
Porque se deixou encantar pela Miranda do Poder e não deu ouvidos à Credanda.
Chegar ao Poder é coisa que está
no campo das artes da Miranda. Exige habilidade política para prometer,
acertar, ajustar, aliar-se e fazer conjuras. É tão difícil que muitas vezes não
sobra tempo e nem energia para ouvir a Credanda, ou seja, pensar NO QUE FAZER
quando lá chegar.
A Miranda do Poder é uma deusa
que está sempre sussurrando: aceita! Negocia! Promete! Vende a alma ao diabo! No mínimo,
hipoteca-a! Depois se dá um
jeito !
E quanto mais a Miranda prevalece
e é ouvida, mais a Credanda se desespera e fica carrancuda. Zangada.
No dia da posse, a Credanda é
chamada para se sentar no lugar de honra, do lado direito do novo Diretor.
Durante a cerimônia, fica o tempo todo recitando baixinho os versos de Carlos
Drummond de Andrade:“e agora, José ?A festa acabou...”
A Credanda tem muito mais para
nos ensinar quando queremos conhecer os motivos que levam um Gestor a agir
desta ou daquela forma. Foi a Credanda que nos lembrou de que deveríamos ler o “Autoengano”, obra de Psicologia de
autoria do brasileiro de Minas Gerais, Eduardo Gianetti da Fonseca, Doutor em
Economia pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Ele mostra como e porque
tomamos caminhos errados enganando-nos e porque somos influenciados pelos
sussurros da Miranda e não pelas “broncas”
da Credanda.
Há uma série de coisas que
precisam ser colocadas no dia da posse do novo Diretor de Escola. Ou Diretora,
é claro. Lá na terra do Eduardo Gianetti, eles costumam dizer que o marido tem
de “matar o galo” na primeira noite... porque se não o fizer na primeira noite, não o fará nunca mais.
A Credanda nos diz que, no ato da
posse, o Diretor tem de firmar um contrato íntimo consigo mesmo:
·
não posso obrigar ninguém a me amar, mas posso
fazer com que me respeitem;
·
só serei respeitado se EU respeitar os outros;
· as regras são claras e iguais para todos: manter um pequeno grupo de íntimos que fiquem dispensados das exigências, é
desrespeito para com os demais e por isso, para que eu seja respeitado, terei de
tratar todos com os mesmos pesos e mesmas medidas;
·
todas as manhãs, vou tomar uma colher de sopa de
franqueza e outra de gentileza;
·
o Diretor não será respeitado se for
incompetente;
· no reverso da medalha, ninguém consegue livrar-se
das “bolhas de ignorância” porque as
informações são em maior número do que conseguimos absorver;
·
tenho de estabelecer que a minha primeira
competência é a sinceridade de dizer NÃO SEI e, em seguida Tu me ensinas ? Ou, então, vamos juntos aprender o certo?
·
por isso, a minha atitude é uma paráfrase de
ditado muito conhecido: “Nunca deixes
para depois o que podes aprender agora, já”.
·
NÃO SEI, MAS VOU APRENDER e é para já.
A CREDANDA É QUE NOS ENSINA QUE O GESTOR NA EDUCAÇÃO É UM
EDUCADOR DE EDUCADORES. Por isso, tem de
começar educando-se a si mesmo.
· Liderança é algo ligado à expedição, viagem,
deslocamento para algum ponto no futuro.
O ponto no futuro é o Objetivo principal da Escola, que precisa estar
latejando dentro de toda a equipe, em uníssono. Donde se conclui que todos
devem participar na definição do grande objetivo da equipe. Para que todos se sintam “donos” do objetivo.
·
Só é líder quem sabe para onde a expedição tem
de ir.
· Todo Diretor novo tem um PRAZO para descobrir
onde é o ponto futuro para onde vai querer levar a expedição. (Tudo isso, é
óbvio, está em linguagem figurada que é clara para um certo tipo de gente mas
não para uma minoria... 40%)
·
Se ele não definir o destino da expedição dentro
do PRAZO vai continuar Diretor, mas não será líder.
· A primeira condição para um Diretor conseguir
descobrir o ponto futuro é querer. Isso se apresenta aos olhos de “todoomundo”
de forma escandalosamente clara, porque há
coisas que ninguém esconde de ninguém. Uma delas é estar apaixonado. Outra é
não ter ainda o ponto futuro de uma gestão. Então, como isso não vai ficar
oculto, é melhor abrir o jogo de forma escancarada: “vamos lá, "todoomundo", vamos trocar idéias até descobrirmos JUNTOS o
nosso ponto futuro”.
· Na cadeira do Poder, há um botão igual àquele
que tem em porta de geladeira e de automóvel.
Aquele que, quando a porta fecha, desliga uma lâmpada. Quando o
professor se senta na cadeira do Poder, por ter sido nomeado Diretor, o peso do
seu corpo comprime aquele botão que lhe desliga, automaticamente, o ouvido.
(Quando o indivíduo é sabido, senta de banda e continua com o ouvido ligado).
·
Qual a competência mais essencial para ser um
Diretor bem sucedido? Não é saber inglês. Não é saber todas as Leis de memória.
É ser capaz de OUVIR.
·
OUVIR. Significa que quando alguém chega, o
Diretor olha nos olhos e seu coração diz assim: “eu quero compreender você bem no fundinho...” Aquilo que o coração
disse, sobe e aparece na “televisão” do
rosto dele e é percebido com total clareza pela tal pessoa que chegou. E, ouvir até o
fim, calmamente, sem interromper o que está falando. E pedir mais
esclarecimentos. E perguntar assim: “vamos
ver se compreendi bem; você está me dizendo que...” Toda a arte está em
dizer o que a pessoa disse com OUTRAS PALAVRAS, mostrando que compreendeu tanto
que até é capaz de dizer com outras palavras.
Quando um
Diretor está possuído desse tipo de atitude, não há ninguém que o desrespeite.
Por quê? Porque não há prova melhor de respeito do que QUERER OUVIR.
·
Quando um Diretor consegue descobrir o ponto
futuro para onde tem de levar a expedição, aí sua ação de liderança fica mais
fácil. AGORA EU JÁ SEI PARA ONDE QUERO IR.
·
Agora, é só organizar o time (equipe) colocando
a pessoa certa no lugar certo.
· Todos tem virtudes e defeitos. Um dos
segredos da liderança é só procurar VER as virtudes de cada um. Em outras
palavras mais grosseiras: descobrir para o quê cada um SERVE.
· Não adianta querer massagear um belo touro de
pura raça para transformá-lo em cavalo
de corrida. É um erro muito freqüente insistir
numa certa pessoa para uma certa função para o qual ela não serve. Não só é perda de tempo como deixa a pele do
“touro” irritada. As mãos do massagista, também.
·
Mesmo sendo cavalo de corrida, no entanto,
qualquer pessoa tem limitações. Isso quer dizer que nunca devemos dar uma
missão impossível, além das possibilidades de alguém. Afinal, o boi consegue tracionar maior peso,
em marcha lenta. O cavalo é destinado à velocidade, com carga leve. Ambos têm suas
vantagens e suas deficiências. Assim,
também, as pessoas: o bom gestor preocupa-se em VER e APROVEITAR sempre o que
há de melhor em cada colaborador. Não
fica “escarafunchando” os defeitos
que isso é até mais fácil e nada construtivo.
· Há pessoas que querem comandar dando ordens
taxativas e pensando que isso reforça a sua liderança. Puro engano. A melhor
maneira de conseguir que as coisas aconteçam é fazendo perguntas.
·
Porque não adianta eu apontar o revólver para
uma galinha e exigir que ela ponha um ovo, JÁ!
· Todos os seres humanos querem acertar como as
galinhas querem botar ovos. (Já viu galinha tomar pílula anti-ovos?) O que
acontece é que tanto os ovos precisam de tempo e cálcio para endurecer a casca
e ficar prontos para sair, como os HOMENS precisam de tempo e informações para
ficar com vontade de botar seus ovos, ou seja, produzir coisa que preste.
·
Garantido: tanto a galinha quanto o HOMEM
gostam que elogiem seus ovos.
· É uma falácia dizer que elogio estraga. O que
estraga é elogio demagógico que é feito num sentido de bajulação do
subordinado. O verdadeiro líder não precisa DIZER com palavras um elogio. Basta
olhar com atenção e o seu coração dizer que apreciou a coisa produzida. A
pessoa SABE QUE AGRADOU. Basta o gesto simples que comprova que prestou atenção,
mas não pode faltar essa sinalização.
·
Tudo o que é meritório tem de ser proclamado,
sim, em público.
· Para que todos saibam que o líder não tem ciúme
das proezas dos seus liderados. Tem orgulho deles.
·
A proeza bem sucedida é sempre obra de alguém
que não o líder. Pode ser de uma equipe, e um grupo, de um setor, mas nunca
dele.
·
Os erros, fracassos, vergonheiras. Ah! Esses,
ele absorve só para ele. Porque o líder é responsável por tudo o que acontece
OU DEIXA DE ACONTECER numa escola.
·
Há Diretores que querem tirar proveito do cargo
para vários tipos de exercício de vaidades e de abusos de Poder.
·
Os verdadeiros Diretores líderes, aqueles que
são inesquecíveis, são os que só se preocupam em FAZER alguma coisa que tenha valor
para as suas crianças. Sem se preocupar com mais nada.
· Não confundir dilema (uma coisa exclui a outra)
com dualidade (duas coisas diferentes que se completam).
· Os grandes e inesquecíveis Diretores de Escolas
são os que conseguem combinar duas coisas aparentemente antagônicas, mas que se
completam: - a bondade (amor) e a severidade (senso de dever). Eis aí uma bela
dualidade construtiva.
Em todos os tipos de atividades
humanas tem de haver alguma coisa mais decisiva, mais importante, mais essencial. Dentro de uma escola, a coisa mais importante
não é a limpeza, a segurança, a burocracia, os equipamentos, a biblioteca. A coisa mais importante é o que acontece
dentro da criança no momento em que ELA se defronta com algum desafio e tenta
superá-lo. O verdadeiro gestor na
educação é aquele que se preocupa com esse pequeno detalhe e todos os dias vai
até onde está alguma criança a fim de conversar com ela e saber como vai indo a
sua caminhada no rumo da vida.
Numa escola, pois, a HORA DA
VERDADE é o que acontece dentro de cada criança no instante em que se defronta
com algum obstáculo, dificuldade, problema, desafio. E essa dificuldade tanto pode ser intelectual
quanto afetiva ou emocional. Tanto pode
ter sido criada dentro da sala de aula, pelo professor, na intenção de
desafiá-la, quanto pode ter se originado no lugar onde a criança costuma dormir
que tanto pode ser um lar bem estruturado quanto um amontoado de pessoas que
apenas convivem e sobrevivem num ambiente miserável.
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