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O exercício de ser seguidor

Segundo texto da série que presta homenagem ao educador Rubens Junqueira Portugal.

Um grande líder inspirador que trabalhou para a melhoria da educação pública.


Imagem de um pássaro paranaense sobrevoando Faxinal do Céu- PR - local dos eventos chamados PROGEST (Programa de aprimoramento da gestão na educação realizados pelo Instituto Rubens Portugal).


O exercício de ser seguidor


A vida é bem assim. Esse texto é uma simulação da vida bem como ela é. Em cada lugar que você atua a situação varia. É como numa loteria social. Hoje você é sorteado num ambiente ótimo. Amanhã poderá ser muito desagradável.

Há quem diga que os grupos sofrem emperramento porque não tem chefe para coordenar e enquadrar os causadores de emperramentos. Será?

Todo ser humano tem 39 chances de ser seguidor contra apenas um de ser líder ao longo da vida. Em outras palavras, temos de aprender a ser seguidores. Há muitos cursos de liderança e eu nunca vi um anúncio de curso para seguidores. Thomas Jefferson que foi presidente dos Estados Unidos era um seguidor quando recebeu a incumbência de redigir a Constituição. Queria voltar para casa porque já estava há alguns anos trabalhando na Constituinte. Os Pais da Pátria lhe disseram - se tu queres voltar para casa, trata de redigir logo essa Constituição.

No Japão as pessoas dão mais valor ao aprendizado para ser seguidor do que para ser líder. Pensando bem, é muito mais difícil ser seguidor. Principalmente quando você fica na situação de "presunto de sanduíche" - tem alguém acima de você e vários abaixo. Neste caso você tem que ser líder para os que estão embaixo e ser seguidor em relação ao seu superior imediato. Você vai ter que ter muito jogo de cintura.

As pessoas numa equipe precisam afinar seus instrumentos pelo comando do maestro. Isso exige disciplina intelectual. Cada pessoa pode ter as suas próprias idéias, mas não pode criar uma dissensão. A disciplina intelectual exige um novo processo de re-significação. E o que é re-significar?

Geralmente você tem sua própria opinião porque não consegue se livrar dela. No entanto, é necessário um constante re-significar de conceitos para afinar o seu pensamento ao do grupo. Em cada momento é necessário um policiamento para não haver uma defesa exagerada da opinião. A todo o momento você precisa estar tomando decisões que terão de ser coerentes com os pressupostos do grupo e não com os próprios. É bem assim que acontece na vida.

A educação, em última instância, ajusta você para o convívio construtivo. Suas tias quando se encontravam para o café da tarde tinham um convívio agradável, mas nem sempre construtivo. Provavelmente elas se gostavam e sentiam necessidade da proximidade física das demais. Tomavam café com bolos e recordavam incidentes do passado. Não é desse tipo de convívio que escrevo.

Escrevo sobre um grupo de pessoas que tem uma missão, tarefa ou desafio, que precisa construir uma solução para uma situação problema. Suas atitudes têm de ser construtivas e dinâmicas. Nada, pois, de reminiscências.

É desse tipo de educação que mais precisamos desenvolver. A educação para o convívio e para as novas formas de relações no ambiente de trabalho.

Na Idade Média não havia preocupação com esse tipo de educação para o convívio, para o trabalho em grupo, pois lá havia regras nítidas e claras: quem mandava e quem obedecia. A maioria era analfabeta. Só os monges que copiavam a Bíblia estavam condenados a passar a vida toda copiando na esperança de ganhar um bom lugar no paraíso.

Ao longo dos quinhentos anos após o renascimento, ainda as elites resistiram contra a disseminação do conhecimento. Para os aristocratas europeus, a plebe ignara teria mesmo que ficar cuidando dos animais.

O microcomputador é o libertador de Prometeu. Agora já podemos entregar o "fogo do conhecimento" aos mortais comuns sem que Zeus nos ponha acorrentados aos rochedos tendo abutres a nos comer o fígado.

No limiar do século XXI, o trabalho não é mais com correntes presas a pulseiras na canela como os senhores de escravos costumavam fazer. Nem como Henri Ford idealizou na esteira rolante das linhas de montagem. Agora, a Aséa Brown Bovery trabalha com equipes sem hierarquia, mas com missão. A liderança do século XXI é espontânea, mas estritamente submissa à tarefa coletiva que a equipe recebe. Todos os integrantes da equipe compartilham todas as informações. Não há segredos entre chefe e subordinados. A força da equipe decorre da unificação dos "mapas mentais" de todos os seus integrantes.

A força da liderança não decorre mais da autoridade formal ungida com óleos sagrados na cabeça do chefe. Não mais. É que, agora, todos os integrantes da equipe podem ser pensantes. Todos estão de posse de todas as informações pertinentes. Nas reuniões criativas e construtivas, é como se um anjo sobrevoasse a equipe com a solução do problema em suas mãos. E esse anjo invisível poderá pousar em uma das cabeças dos integrantes da equipe. Em qualquer uma. Até mesmo aquela que não a do líder.

O verdadeiro líder do Século XXI aguarda paciente e confiantemente que o anjo pouse em uma das cabeças... e nunca sabemos em qual será. O verdadeiro líder do Século XXI não se ofende e nem se sente inseguro se e quando o anjo pousa em outra cabeça que não a sua. Sua liderança vem exatamente de demonstrar sua imensa satisfação em ver que o anjo escolheu aquele ou aquela integrante de sua equipe.

Para que o anjo pouse na cabeça de seus integrantes é necessário que o líder deixe-o sobrevoar. Os seguidores devem assumir as próprias opiniões, mas acima de tudo respeitar a opinião daquele que pode estar iluminado por alguma brilhante ideia. Todos estão autorizados a pensar e dizer, entretanto precisamos, como adultos com idéias pré-concebidas, aprender a re-significar os próprios conceitos. Você está preparado para isso?



Rubens Junqueira Portugal

Horto Botânico - Faxinal do Céu - PR



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