Este é um texto meu onde tento explicar a visão comportamental do conceito de mente. A questão é filosófica e causa debates entre cognitivistas e comportamentais. Na prática clínica as duas teorias podem trabalhar lado a lado, mas nos meios acadêmicos elas estão em lados opostos. O debate não é simples e se você é uma pessoa que quer saber mais sobre essa questão tento aqui resumir essa "briga".
“Não acredito que cunhei o termo
comportamentalismo radical, mas quando me perguntam o que entendo por isso,
digo sempre “a filosofia da ciência do comportamento tratado como um assunto em
seu próprio direito, longe das explicações internas, mentais ou fisiológicas”
(Skinner, Recent Issues in the Analysis
of Behavior, 1989, p. 122.)
B. F. Skinner |
Na história da psicologia, e
especificamente na história do Behaviorismo, verificam-se duas
“vertentes”: o que é conhecido como Behaviorismo Radical (“definido” por
Skinner) e o Behaviorismo Metodológico que tem suas origens no positivismo
lógico. A diferença fundamental dessas vertentes é a consideração pelos eventos
mentais. O behaviorismo Radical não nega a introspecção, pensamentos e sentimentos,
porém questiona a natureza do que é conhecido e sentido. O Behaviorismo
Metodológico considera que aquilo que não pode ser visto, nem medido não pode
ser compreendido cientificamente, ou seja, reduz operações mentais em
discriminação de estímulos e enfatiza apenas os eventos antecedentes externos. Uma análise mais apurada pode levar ainda a
compreensão de que só pode haver comportamentalismo se for radical, porém a
intenção dessa diferenciação entre Radical e Metodológico é apenas apresentar a
divergência em relação à consideração de processos mentais.
A partir desse primeiro
esclarecimento, é possível voltar à atenção para história da psicologia, e
mesmo da filosofia, para compreender porque Skinner afirma que se deve tratar a
filosofia da ciência do comportamento como assunto em seu próprio direito. Cabe ressaltar que nesta citação o
comportamento é o foco de atenção e não a mente.
O primeiro ponto a ser trabalhado é o da
mente. Existe ou não existe? Deve ser investigada? A mente é uma estrutura e
explica a natureza do homem? Para Skinner estas não são perguntas relevantes e
é necessário um afastamento de tais explicações internas. Porém, a questão da existência
da mente acompanha a filosofia como um problema desde os filósofos gregos. As teorias sobre a natureza do homem de
Sócrates, a teoria das idéias de Platão e a metafísica de Aristóteles parecem
descobrir a mente referindo-se aos estados internos. A mente aparece como
imortal, incorpórea e como algo que habita o corpo. Posteriormente essa idéia
torna-se mais elaborada e cogita-se a existência de um mundo terrestre,
habitado pelo corpo e um mundo celeste, habitado pela mente ou alma. Com o Neoplatonismo chega-se a idéia de que o
corpo é mau e o espírito bom. Boécio (480 -524) lança o questionamento: “as
coisas existem realmente ou se só se encontram na mente?”.
Por volta de 1200 com pensadores como Duns Scotus, Guilherme de Occam são
lançadas as bases para o empirismo, ou seja, a lógica é análise de termos
científicos e a ciência é sobre as coisas”.
A partir de 1500 Francis, Bacon, Newton, Descartes passam a enfatizar o
estudo empírico, porém continua a questão da existência da mente e a dicotomia
mente-corpo.
Com o positivismo a mente humana sai
de um estado teológico, passa por um estado metafísico para finalmente chegar a
um positivo. Só por volta de 1800 é que surgem Pensadores como Charles Darwin -
não exatamente com a questão da evolução da mente, mas das espécies – e
finalmente o pragmatismo americano com Peirce, e William James: “as idéias só
se tornam verdadeiras enquanto nos ajudam a estabelecer relações satisfatórias
com outras partes de nossa experiência.”
A história da psicologia, sendo
construída paralelamente a da filosofia, apresenta questionamentos semelhantes:
a existência da mente e, além disso, a existência da mente como matéria ou
substância. O mentalismo voltou-se para existência de uma mente que explica,
que é causa e tem funcionamento próprio e estruturado. A mente é que precisa
ser compreendida porque existe e determina.
Já o Behaviorismo, tanto radical
como metodológico, enfatizaram o ambiente e o comportamento como foco de estudo. John B. Watson (1878-1958) estudou o
comportamento como ajustamento, hábito ou ato. Desconsiderou totalmente os
estados mentais e reduziu o comportamento a um mecanicismo baseado na relação
estímulo–resposta. Watson decompôs os hábitos em reflexos e defendeu uma
explicação fisiológica. Com isso distanciou-se do mentalismo e aproximou-se do
fisicalismo. Ou seja, os fenômenos fisiológicos são fenômenos físicos. Apesar
de ter sido reducionista, Watson expôs uma complexidade (ainda que cartesiana, mecânica)
no entendimento do comportamento. Neste ponto o Behaviorismo de Watson
simplesmente ignora a questão da existência ou a compreensão de uma mente.
Considera um corpo físico e a suas respostas fisiológicas ao ambiente.
Depois de Watson, Edward C. Tolman (1886-1959)
modifica a noção de organismo. Os organismos possuem propriedades que emergem
de eventos e estados fisiológicos, mas não são redutíveis a esses. Existe
concordância com a noção de ajustamento, porém é um ajustamento complexo que
envolve aprendizagem com superação de problemas e o alcance de metas. Faz uma
análise descritiva do comportamento, mas também cartesiana. Tolman foge do fisicalismo,
mas acaba aproximando-se do mentalismo. Suas explicações sobre as propriedades
imanentes ao comportamento ficaram paradoxais e necessitavam de um uma
explicação que se aproximava da fenomenologia (teorias mentalistas). Chega-se a
pensar na idéia de mente como instrumento. Ainda que investigasse o
comportamento e suas propriedades, bem como a relação entre essas propriedades,
Tolman definiu mente como experiência. Parte desta definição e aproxima-se do
conceito de mente como substância.
Finalmente chega-se em B. F. Skinner
(1904 -1990) e sua teoria consequencialista do comportamento. Skinner não era
nem materialista como Watson, nem mentalista como Tolman. Skinner busca na
relação comportamento-ambiente a compreensão para o próprio comportamento, ou
seja, um comportamento gera conseqüências que por sua vez geram novos
comportamentos que geram novas conseqüências e assim sucessivamente. A este
comportamento reforçado pelo ambiente Skinner da o nome de operante.
Entretanto, nem todo comportamento é reforçado pela conseqüência que produz.
Então existe uma seleção de comportamento não pelo reforçamento, mas por suas
conseqüências naturais. A isso Skinner chama de modelo de seleção por
conseqüências – comportamentos que permitem sobrevivência são fortalecidos e
comportamentos que produzem conseqüências reforçadoras também são fortalecidos.
Para Skinner existe a questão da seleção natural (comportamento fortalecido
naturalmente), o comportamento operante (reforçado pelo ambiente) e práticas
culturais que são mantidas pelos indivíduos em sociedade.
Em Skinner não aparece uma questão
relacionada à existência e descrição de uma mente, pois o que existe e
determina é o comportamento. A mente não é uma questão porque ela é entendida
como “parte” do comportamento. Introspecção, pensamento, sentimento e outros
processos internos que seriam propriedades da mente para muitos filósofos, em
Skinner são “coisas” que emergem do comportamento e é este que deve ser
compreendido e analisado como origem e conseqüência.
Após esta investigação da mente,
finalmente pode-se compreender a citação: o comportamento tratado em seu
próprio direito. É assim colocado porque significa justamente a sua definição.
Trata-se de identificar e investigar aquilo que de fato pretende-se compreender.
Com a teoria relacionista de Skinner o objeto de estudo é o comportamento,
diferentemente de Watson (fisicalismo) e Tolman (mentalismo) que, mesmo tendo
estudado o comportamento, chegam a uma “base” que os distancia do
comportamentalismo.
Skinner rompe com a discussão da
existência de uma mente, rompe com a dicotomia mente-corpo, já que se não
existe mente não há separação e, portanto, não há um problema. Este é o ponto
fundamental que está anunciado na citação – a mudança de percurso do objeto e da
forma de estudo das pesquisas científicas futuras, pois o comportamento é
complexo e não pode ser reduzido a explicações simples ou duvidosas. Existe
Mente? Existe Corpo? Há o comportamento se manifestando tanto em ações como em
estados internos. São esses comportamentos que possibilitam a existência desses
estados internos, logo comportamentos devem ser analisados. O corpo como
organismo fisiológico deve ser estudado pela etologia e também deve focar a
questão das conseqüências. As diferentes manifestações culturais deve ser
objeto de estudo da antropologia e também deve considerar as conseqüências.
A afirmação da não existência de uma
mente substância não significa dizer que não existam processos internos.
Significa dizer que todo o processo passa pela compreensão da análise do
comportamento. Isto justifica também a explicação inicial sobre a distinção
entre Behaviorismo Radical e Behaviorismo Metodológico, já que a consideração
por estados internos – entendido como
relativos ao comportamento - é um posicionamento exclusivo do Behaviorismo
Radical.
Esta nova forma de abordar o
problema pode parecer, à primeira vista, com uma interpretação precipitada um
abandono do problema. O que pode fascinar na leitura da realidade de Skinner é
a ênfase no comportamento como origem e conseqüência. O que pode causar dúvidas
e estranhamento na leitura da realidade de Skinner é uma suposta simplicidade no
que este entende por comportamento. Esta suposta simplicidade nada mais é do
que uma leitura precipitada que deixa de compreender que Skinner ao focar o
comportamento como atividade complexa e dependente de relações também complexas
com o ambiente não reduz, mas ao contrário amplia a compreensão do homem.
Sua citação aponta para o foco de
estudo e coloca justamente um alerta contra reducionismos fisiológicos ou
mentalismos. Behaviorismo é filosofia da psicologia, ou seja, filosofia da
ciência do comportamento humano.
É interessante ressaltar que o que é necessário ser descoberto é aquilo
que conduzirá a mudanças tanto em indivíduos como nas sociedades, pois mesmo
que a filosofia e a psicologia pretendam estudar temas de difícil definição e
compreensão, fica a questão: a evolução na ciência depende de questionamentos
direcionados e bem formulados que, naturalmente, representem melhor compreensão
dos problemas e uma probabilidade de modificação de situações indesejáveis?
Sendo assim, por mais instigante que
seja a dúvida sobre a existência de uma mente, onde se poderia chegar com tal
questão? Qual o real benefício desse conceito para a humanidade? Neste sentido
a questão do Skinner parece mais direcionada, mais definida, mais útil aos
indivíduos e a sociedade e tão complexa quanto à questão dos mentalistas. Não
exclui, apenas modifica a abordagem do tema. Engloba um conceito amplo em outro
ainda maior, mas provavelmente mais elucidativo.
Autor: Rosana
Portes de Miranda – Especialista em Psicologia Clínica
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